sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

O Programa infantil e o poeta


O programa infantil e o poeta

Cesar Vanucci*

“Saudade é ser, depois de ter.”
(Guimarães Rosa)

O “Programa Infantil” da PRE-5 era produzido, dirigido e apresentado por Altiva Glória Fonseca, uma mulher charmosa e inteligente, de presença destacada nas atividades culturais e assistenciais de Uberaba. Levado ao ar nas manhãs de domingo, com participação animada de público fiel, que lotava o assim chamado “salão grená” da emissora, atraia (nos anos 40) uma legião considerável de ouvintes. As atrações artísticas, garotos e garotas com inclinação para canto, declamação, esquetes, galvanizavam vibrantes torcidas, os orgulhosos pais da gurizada em plano de realce. Augusto Cesar Vanucci, Pedrinho Ricciopo, Neuza Papini, Nancy Pagano, Irmalda Dorça, Vicente de Paula Oliveira, Joel Andrade Loes, Walia Vieira, Zilma Buggiato Faria, este desajeitado locutor que vos fala eram, entre outros, integrantes do “elenco permanente” do programa. Os ensaios para as apresentações ocorriam nas tardes de sábado. O Regional da estação de rádio, dirigido pelo maestro João Tomé, artista de mão cheia, capaz de arrancar sons de tudo quanto era instrumento apesar da cegueira de nascença, cuidava com esmero do acompanhamento dos intérpretes, fazendo, se preciso, fundo para declamações. O conjunto compunha-se de piano, violão, cavaquinho, flauta, bateria e pandeiro.

As imagens de borbulhante júbilo daqueles anos dourados da meninice acodem-me com constância à memória velha de guerra. Indoutrodia, por ocasião da bela sessão solene que assinalou, no Auditório JK, na Cidade Administrativa, o momento culminante de celebração da “Semana Mundial do Serviço Leonístico”, neste ano de 2011, fui buscar no baú uma lembrança danada de terna do “Programa Infantil da E-5”. No pronunciamento que fiz na solenidade em questão citei versos de um poeta norte americano, Langston Hughes, assinalando que eles faziam parte de poema decorado na infância. Recuperei na hora meiga cena. A Altiva Glória Fonseca a passar-me uma tarefa, nas proximidades de um dia 13 de maio. O programa da semana seria todo voltado para manifestações lítero - musicais com foco temático na abolição da escravatura. A encomenda que recebi foi a de decorar o poema “Sou negro”, do poeta citado. Sob a zelosa supervisão de minha saudosa mãe Tonica, decorei pra nunca mais esquecer os versos recomendados, de suave sopro lírico e de dardejante conteúdo social. Bate-me forte, aqui e agora, a tentação de reproduzi-los para deleite dos leitores. Vai lá:
“Eu sou negro: / Negro como a noite é negra, / Negro como as profundezas d’África.
Fui escravo: / Cesar me disse para manter os degraus da sua porta limpos. / Eu engraxei as botas de Washington.
Fui operário: / Sob minhas mãos as pirâmides se ergueram. / Eu fiz a argamassa para a fábrica de algodão.
Fui cantor: / Durante todo o caminho da África até a Geórgia / Carreguei minhas canções de dor. / Criei o ragtime.
Fui vítima: / Os belgas cortaram minhas mãos no Congo. / Eles me lincham até hoje no Mississipi.
Eu sou Negro: / Negro como a noite é negra / Negro como as profundezas da minha África.”
Do poeta, nascido em 1º de fevereiro de 1902 e falecido em 22 de maio de 1967, fiquei sabendo mais tarde tratar-se de um inovador da arte literária, cioso de sua ancestralidade negra. Ativista social, romancista, dramaturgo, acabou firmando conceito como o mais importante poeta negro estadunidense. Um homem que soube transpor para a palavra os ritmos e a cadência da música de sua gente, notadamente o blues.
E quanto ao programa da E-5? Ele é capítulo de dias idos. Da aurora da vida, da infância querida, que os anos não trazem mais, de que fala Casimiro de Abreu. Converteu-se em saudade. Ou seja passou “a ser, depois de ter”, como diz Guimarães Rosa.

* Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

O presépio de Carlota

O presépio de Carlota

                          Cesar Vanucci *


"Natal (...) industrializaram o tema, eis o mal."
(Carlos Drummond de Andrade)


O presépio da vó Carlota era um primor. O mais arrumado da rua, a nos louvarmos na opinião dos vizinhos. Ocupava quase a metade da sala de visita. A mesa de jantar, de razoável dimensão, recoberta de sacos de aniagem e papel pardo de textura encorpada, servia de suporte. Já o guarda-louças do conjunto precisava ser remanejado para um dos quartos, mode não atrapalhar o deslocamento dos interessados em apreciar a arte e engenho empregados na montagem. Vovó Carlota preparava tudo no capricho. Despejava na empreitada o mesmo ardente fervor que punha nas práticas de religiosidade que lhe conferiam, no conceito de tanta gente, a fama de santa criatura. Ao longo de vários decênios, diariamente, de manhãzinha, acompanhada das filhas Nenê e Luzia, subia a ladeira que desembocava na bela Igreja, toda revestida de pedra tapiocanga, de São Domingos, a fim de participar das missas dos dominicanos. A cena ganhou carinhoso registro na memória uberabense. A tal ponto que acabou sendo transposta por Mário Palmério para as páginas do "Chapadão do Bugre". Antes porém, de retornar à história do presépio, quero contar algumas coisas mais a respeito de minha avó paterna. Essa mulher maravilhosa, presepeira criativa, amealhou em vida considerável crédito, embora humilde e pobre, pelas muitas ações, executadas no anonimato, em favor dos desvalidos. Fez parte na caminhada pela pátria terrena, sem dúvida, do mundo invejável dos corações fervorosos, um tipo de gente que engrandece a espécie. Quando adolescente, deslumbrado, descobri a poesia de Manoel Bandeira, deparei-me com texto que se encaixa admiravelmente em seu perfil. É aquele em que o poeta fala da presença na porta do céu de uma anciã carregada de dons. São Pedro, vendo-a, vai logo dizendo: - Você não precisa pedir licença pra entrar!
Volto, agora, ao presépio para explicar que aquela representação simbólica do Natal, com seu mágico fascínio, respondia à aspiração de pessoas afeiçoadas a estilo de vida singelo de comemorarem condignamente, no âmbito familiar, a data mais significativa do calendário. Era desmontado depois do "dia de Reis". A introdução das figuras centrais no cenário sagrado só acontecia depois da célebre "missa do galo", na volta de vó Carlota da igreja. As efígies dos reis magos e a decoração correspondente à reluzente "estrela de Belém" iam sendo paulatinamente deslocados, a cada manhã, em sua trajetória na direção da manjedoura, até o dia do encontro devocional histórico narrado nas crônicas do comecinho cristão. No mais, a comemoração daqueles tempos, de hábitos consumistas parcimoniosos, costumava abranger ainda, com todos reunidos, a tradicional ceia ou, no dia seguinte, almoço na base de frango recheado e arroz de forno. Sem libações alcoólicas, tá claro. E, também, na parte do ritual atribuído à criançada, sobrava para cada qual a grata obrigação de deixar os sapatos no presépio para que Papai Noel, quando a casa mergulhasse  em sono profundo, largasse os presentes trazidos na carruagem puxada por renas.

Tudo diferente das comemorações destes tempos de hoje, de consumismo voraz, em que a marquetagem cria, com frenética desenvoltura, espaços para erigir como símbolos natalinos o peru da Sadia e o chester da Perdigão.

Uma baita saudade!


*  Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

SBPA

Informações sobre a SOCIEDADE BRASILEIRA DOS POETAS ALDRAVIANISTAS


 
 
 
 

Sociedade Brasileira dos Poetas Aldravianistas - SBPA

SOCIEDADE BRASILEIRA DOS POETAS ALDRAVIANISTAS

A Aldrava Letras e Artes cria a Sociedade Brasileira dos Poetas Aldravianistas, entidade que promoverá a difusão dessa nova forma de poesia, lançada em em dezembro de 2010, no Jornal Aldrava Cultural edição nº 88.
A primeira Diretoria da (SBPA) é a seguinte:
Presidente: J. B. Donadon-Leal
Vice-Presidente: Gabriel Bicalho
Secretária: Andreia Donadon Leal
Tesoureiro: J S Ferreira
Promotora Cultural: Hebe Rôla

Vejam Nova Forma Poética e livros já publicados:


Revendo um filme maldito

Revendo um filme maldito

Cesar Vanucci *

“ Os vícios de outrora são os costumes de hoje”
(Sêneca)

De princípio, uma baita curiosidade. Ao depois, certa surpresa, quase derivando para aturdimento. Junto, sorrisos e, pra arrematar, irrefreável riso. Correu assim, sem tirar nem por, o meu reencontro agora com um filme visto com mistura de deleite e sobressalto há mais de meio século. Minha Nossa Senhora da Abadia D’Água Suja, como os costumes se alteram no cotidiano da vida!

Noite dessas, revi na telinha o “ Les Amants”, de Louis Malle, filme apontado como “maldito” quando do lançamento em 1958. Recordo-me bem, vasculhando a jeito as ladeiras da memória, da pororoca de registros desairosos que a fita acumulou em curto período de projeção. A fúria do ultra puritanismo foi de tal monta que as autoridades competentes, de um governo (JK) considerado o mais aberto a manifestações culturais de vanguarda que o País ao longo de sua história já havia experimentado, não tiveram outra alternativa senão a de proibirem a exibição nos cinemas. Uma leve insinuação de cena erótica supostamente nunca dantes mostrada deu origem às reações. Nas portas das salas de projeção fileiras de pessoas de mãos dadas, algumas carregando terços, exprimiam sua zanga com relação àquela obra blasfema, herética, demoníaca, que agredia, segundo se propagou, a moral, os bons costumes, os valores familiares e religiosos mais sagrados. Em púlpitos, tribunas, colunas de jornais essas reações coléricas também explodiam. Apreciadores de cinema que ousaram, naqueles momentos turbulentos, desafiar o veto dos autoproclamados censores de plantão, assistindo ao filme no curto espaço de tempo em que em foi mantido em cartaz, eram mimoseados com ensurdecedores apupos. Colocaram-se sob ameaça mesmo de constrangimentos físicos. O Chefe de Polícia, que detinha poderes quase equivalentes aos de um Ministro militar, veio a público para assegurar sua total disposição de resolver a pendência, se preciso na marra, caso tardasse a sair a decisão judicial desfazendo aquela pouca vergonha.

Creio chegada a hora de fornecer ao distinto público, sobretudo aos que não viram “ Les amants”, algumas informações acerca da fita. Drama francês, como já dito, dirigido por Louis Malle, expoente da chamada “Nouvelle Vague”, e estrelado pela fascinante Jeanne Moreau, com Alairr Cunn, Jean-Mare Bory e Judith Magre nos demais papéis de realce, o filme, rodado em preto e branco, narra a história de uma relação amorosa extraconjugal. Do ponto de vista estético e das interpretações é uma obra, ainda hoje, digna de louvor, o que explica o “Leão de Ouro” conquistado no Festival de Veneza, um dos muitos prêmios que conseguiu arrebatar.  

A “cena escandalosa”, de cunho amoroso, que provocou a ira santa levada às ruas pode ser apontada hoje, em comparação com as cenas de qualquer filme romântico exibido em vesperais infantis, como uma singela referência pudica enquadrada na mais edulcorada concepção de relacionamento afetivo bolada na literatura de madame Delly. Oportuno relembrar, como outro indicador da atmosfera puritana então vigente, que à mesma época uma reação nesse mesmo tresloucado figurino cercou também outro filme, este brasileiro, “O Padre e a moça”, de  Joaquim Pedro de Andrade.

Depois de haver revisto “Les Amants”, tantos anos decorridos, sinto-me tentado, com absoluta tranqüilidade de espírito, a registrar aqui uma sincera recomendação. Em eventual seleção de fitas visando proporcionar saudável entretenimento a religiosas reclusas, sugiro, respeitosamente, às dignas e zelosas Superioras das congregações que refuguem produções fílmicas românticas produzidas nestes confusos tempos atuais, substituindo-as por sessões corridas dessa terna e lírica criação artística de Louis Malle, por seu conteúdo mais  edificante.              

* Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)